De repente, uma fumaça no pasto põe em alerta o homem do campo. Corre, que é fogo.
Chama os vizinhos para ajudar a apagar. Em períodos secos, a forragem de baixa qualidade já não ajuda na engorda dos animais e ainda vem o fogo para atrapalhar. Será que existe responsabilidade ambiental por danos advindos do fogo? Depende. Aliás, caro leitor, em Direito tudo depende, tudo é relativo, eis o único princípio absoluto.
Basicamente, apenas duas legislações mencionam delitos relacionados ao uso do fogo em fazendas: a Lei 9.605/98 (dos crimes ambientais) e o Código Penal. A primeira, em seu artigo 41, classifica como delito provocar incêndio em mata ou floresta. Pena: 2 a 4 anos de reclusão e multa. Aliás, esta é uma das mais altas penas elencadas para crimes ambientais. Inúmeros benefícios são afastados por essa conduta, inclusive institutos despenalizadores como “Transação Penal” e “Suspensão Condicional do Processo”. Sobre o delito acima, há duas considerações a fazer. Primeira: para que ele ocorra, é necessário haver um incêndio, algo maior do que um mero fogo. Segundo: a Lei 9.605/98 não fala em fogo em pastagens (atividades agropastoris), apenas elenca mata ou floresta.
Sendo assim, é o Código Penal, em seu Art. 250, § 1o, II, “h”, que disciplina o fogo em pastagens, mencionando punições a terceiros que causam incêndios, não ao proprietário. Explicamos melhor: não pratica crime o produtor que faz uso do fogo em pastagens e tome todas as cautelas exigidas pelo Código Florestal em seu art. 38, evidentemente com autorização do órgão ambiental. Como se vê, o recurso do fogo em pastagens não é de todo proibido por lei. Aliás, e muito a propósito, a queimada como forma de limpeza de pastos por muito tempo foi e continua sendo usada pelo homem do campo em algumas regiões, não obstante eventuais prejuízos à fertilidade do solo, segundo especialistas.
Responsabilidade subjetiva
O fogo nas propriedades tem causas diversas. Pode não ser doloso (provocado intencionalmente), mas culposo (sem intenção), devido a ato negligente ou imprudente do homem. Tempos atrás, meu vizinho de fazenda se descuidou ao queimar o lixo e nem preciso mais dizer o que aconteceu… Assim, na área criminal, diferentemente do que acontece em âmbito civil, a responsabilidade ambiental é subjetiva. Vale dizer, somente responde pelo delito quem o provocou dolosa ou culposamente. Sem esses elementos subjetivos (dolo ou culpa) excluída estará qualquer responsabilidade em âmbito penal.
Mas, vamos caminhar em nossos exemplos. Suponhamos que o caboclo tenha tocado fogo no pasto na intenção de pôr fim a plantas invasoras. Uma fagulha invade a área de Reserva Legal, causando queimada em locais protegidos por lei. Algum delito praticado? Depende. Se causou incêndio, algo de grande proporção, sim, na modalidade culposa art. 41, da Lei 9.605/98. Do contrário, não. Resolvida a questão criminal, vamos enfrentar a responsabilidade ambiental, agora, de ordem civil. Possui ela natureza objetiva, vale dizer, não interessa saber quem foi o culpado ou verdadeiro causador do dano. O que importa é a reparação. Mas, e se o fogo surgiu por um fenômeno natural, sem culpa do nosso sertanejo, como, por exemplo, altíssimas temperaturas, uma faísca, um raio, uma árvore que caiu em cima da rede elétrica e provocou curto circuito. E agora? Como fica a reparação pelo dano ambiental, pela destruição do fogo nas matas?
Neste caso, estamos diante do denominado “caso fortuito”, fatos que fogem da ação e controle do homem. Como vimos, inexiste responsabilidade criminal nestes casos, diante da ausência de dolo ou culpa.
Código Florestal
Não obstante a responsabilidade civil ambiental ter natureza objetiva, independentemente de dolo ou culpa, o Código Florestal (Lei 12.651/12), em seu art. 38, parágrafo 4o, exige nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
Em outras palavras, necessário que o fogo na mata tenha sido desencadeado em razão da ação humana, fato este não verificado nos fenômenos naturais provenientes de casos fortuitos ou força maior, como no exemplo acima. Conclusão: excluída estará também a responsabilidade civil ambiental, em razão do rompimento do nexo causal, tendo em vista que não foi a conduta do homem a causadora do fogo.
Tempos atrás me chegaram notícias de um incêndio em propriedade rural decorrente de um curto circuito causado por um transformador da concessionária de energia elétrica. Evidentemente, tal fato enseja a responsabilidade civil da companhia pelos danos advindos ao produtor e ao meio ambiente. Por mais que se pretenda contrariar tal argumento, não obstante a boa intenção da lei na procura de reparar o dano ambiental, a verdade é que, na maioria dos casos, principalmente os decorrentes do fogo, a própria natureza se encarrega de restaurar, de forma vigorante, as pastagens e vegetações brasileiras.